sexta-feira, 15 de abril de 2011

GASOMETRIA: INTERPRETAÇÃO E QUANDO INTERVIR

GASOMETRIA: INTERPRETAÇÃO E QUANDO INTERVIR
Ana Cristina Simões e SilvaProfessora Asisitente Mestre do PED-UFMG
A) INTERPRETAÇÃO
A gasometria consiste na leitura do pH e das pressões parciais de O2 e CO2 em uma amostra de sangue. A leitura é obtida pela comparação desses parâmetros na amostra com os padrões internos do gasômetro. Essa amostra pode ser de sangue arterial ou venoso, porém é importante saber qual a natureza da amostra para uma interpretação correta dos resultados. Obviamente, quando se está interessado em uma avaliação da performance pulmonar, deve ser sempre obtido sangue arterial, pois esta amostra informará a respeito da hematose e permitirá o cálculo do conteúdo de oxigênio que está sendo oferecido aos tecidos. No entanto, se o objetivo for avaliar apenas a parte metabólica, isso pode ser feito através de uma gasometria venosa.
As diferenças entre os valores normais dos parâmetros gasométricos do sangue arterial e do sangue venoso são mostrados no quadro abaixo:
Parâmetro
Sangue arterial
Sangue venoso
pH
7.35 a 7.45
0.05 unidades menor
PaCO2
35 a 45 mmHg
6 mmHg maior
PaO2
70 a 100 mmHg
~ 50% (35 a 50 mmHg)
É importante ressaltar que o valor de bicarbonato expresso na gasometria não é medido diretamente e sim calculado através da equação de Henderson-Hasselbach, usando os valores de pH e pressão parcial de gás carbônico (PaCO2) medidos, onde:
pH = pK +
Os distúrbios metabólicos alteram o numerador da equação, através de diminuição (acidose) ou aumento (alcalose) no cálculo da concentração de bicarbonato. Os distúrbios respiratórios interferem com o denominador da equação, elevando (acidose) ou reduzindo (alcalose) a PaCO2. Os distúrbios metabólicos são compensados, inicialmente, por alterações na PaCO2 (compensação pulmonar) e, posteriormente, através de mudanças na excreção renal de ácidos e na reabsorção de álcalis (compensação renal). Os distúrbios respiratórios possuem mecanismos mais precários de compensação que dependem, já de início, de mecanismos renais de compensação. Existem algumas regras que podem ser utilizadas para avaliar as respostas compensatórias aos distúrbios ácido-básicos, quais sejam:
1. Não existe compensação total ou supercompensação de um distúrbio;
2. Se a compensação respiratória estiver intacta em um distúrbio metabólico:
·        [HCO3-] + 15 = últimos 2 dígitos do pH ou
·        PaCO2 = últimos 2 dígitos do pH.
3. Se a compensação metabólica (renal) estiver intacta em um distúrbio respiratório:
·        Acidose respiratória aguda: D [HCO3-] = 0.1 x D PaCO2
·        Acidose respiratória crônica: D [HCO3-] = 0.35 x D PaCO2
·        Alcalose respiratória aguda: D [HCO3-] = 0.2 x D PaCO2
·        Alcalose respiratória crônica: D [HCO3-] = 0.5 x D PaCO2
Diante de um distúrbio ácido-básico é sempre importante buscar o diagnóstico etiológico, a fim de que a abordagem terapêutica seja dirigida à causa básica. Existem alguns dados clínicos e laboratoriais que podem auxiliar o diagnóstico do distúrbio ácido-básico
1. História e exame físico;
2. Dados gasométricos (pH, PaCO2 e HCO3-)
Verificação da consistência matemática entre os parâmetros (vide acima, item ).
Os mecanismos de compensação não normalizam o pH.
3. Medição de outros eletrólitos:
Cálculo do intervalo aniônico (anion gap, D AG), que consiste na diferença entre cátions e ânions extracelulares medidos: D AG = Na+ - (Cl- + HCO3-) cujo valor deve ser inferior a 12. O intervalo aniônico expressa os ânions não detectáveis pelos métodos convencionais de dosagem. A diferenciação entre os distúrbios com AG normal e elevado é importante para sugerir a etiologia do distúrbio e para orientar a abordagem terapêutica. Os distúrbios com AG normal sugerem que a perda de bicarbonato associa-se a aumento na reabsorção tubular renal de cloreto (hipercloremia) e, no caso de haver AG aumentado, ânions não mensuráveis (como, por exemplo, lactato, acetoacetato, b -OH-butirano etc.) estão compensando o decréscimo do bicarbonato;
Dosagem da [K+] sérica;
Uréia e creatinina;
Dosagem dos níveis séricos de fosfato.
4. Verificação do gradiente alvéolo-arterial de oxigênio;
5. Verificação da concentração de sódio em amostra única de urina, que serve para avaliar, indiretamente, a volemia do paciente e os processos de reabsorção tubular renal. A concentração fisiológica de sódio na urina oscila entre 20 e 60 mEq/l. A interpretação desse exame deve ser avaliada simultaneamente à análise do volume urinário e, se possível das osmolaridades sérica e urinária.
O quadro abaixo mostra os parâmetros ácido-básicos em função da idade:
Idade
pH
PaCO2
HCO3-
1 mês (RTN)
7.39 ± 0.02
31 ± 1.5
20 ± 0.7
3-24 meses
7.39 ± 0.03
34 ± 4.0
21 ± 2.0
1.5-3.4 anos
7.35 ± 0.05
37 ± 4.0
20 ± 2.5
3.5-5.4 anos
7.39 ± 0.04
38 ± 3.0
22 ± 1.5
5.5 - 12.4 anos
7.40 ± 0.03
38 ± 3.0
23 ± 1.0
12.5-17.4 anos
7.38 ± 0.03
41 ± 3.0
24 ± 1.0
Adultos
7.40 ± 0.02
41 ± 3.5
25 ± 1.0
 B) QUANDO INTERVIR?
O distúrbio ácido-básico que mais freqüentemente se observa na prática clínica é a acidose metabólica. Existem algumas controvérsias em relação ao uso de álcalis para a correção desse distúrbio. Isso se deve ao fato de existirem os seguintes riscos relacionados principalmente a infusão rápida e excessiva de HCO3-:
  • Hipocalemia
  • Sobrecarga de volume
  • Hiperosmolaridade
  • Perda de minerais (cálcio e fosfato pela diurese)
  • Acidose paradoxal do SNC
  • Superposição de uma alcalose metabólica devido à participação da reserva alcalina (isso ocorre com mais freqüência nas acidoses com AG aumentado)
  • Hipóxia tecidual e catabolismo
No entanto, existem algumas vantagens ligadas ao uso criterioso do HCO3-:
  • Correção do pH
  • Melhora da contratilidade miocárdica
  • Aumento da sensibilidade tecidual à insulina
  • Aumento da reatividade vascular aos vasoconstrictores
  • Recuperação do esforço respiratório excessivo.
Dessa forma, a administração de HCO3- por via venosa está indicada quando o pH < 7.25, na maioria dos casos. É importante, entretanto, que seja avaliada a etiologia da acidose metabólica e feita a abordagem específica. Assim é essencial que sejam corrigidos déficits volêmicos antes da administração de álcalis, pois, muitas com a correção da volemia ocorre compensação da acidose. Porém, vale ressaltar que um pH < 7.10 é ameaçador à vida e exige uma intervenção terapêutica agressiva. A necessidade de álcalis é maior nas acidoses metabólicas com intervalo aniônico (anion gap) normal (ex.: diarréia aguda) em relação às acidoses com intervalo aniônico aumentado (ex.: cetoacidose diabética, IRC).
A infusão de HCO3- deve ser realizada por um período de 2 a 6 horas a partir do cálculo:
HCO3- a ser infundido = Peso x 0.3 x BE, onde BE corresponde ao déficit de base.
É preferível corrigir inicialmente a metade do déficit de base e repetir a gasometria a fim de evitar complicações decorrentes do uso excessivo do HCO3-. A correção empírica da acidose metabólica se justifica somente se o paciente estiver com quadro clínico muito sugestivo de acidose metabólica (intensa hiperventilação, o que corresponde a um pH < 7.02) e for impossível a realização de uma gasometria ou se a gravidade do caso não permitir a espera do resultado da gasometria. Essa correção empírica é feita administrando-se o HCO3- na dose de 1 mEq/Kg de peso.
Existem duas soluções de NaHCO3- disponíveis: uma delas a 8.4% que contém 1 mEq de HCO3-/ml e a outra a 5% contendo 0.6 mEq de HCO3-/ml. A solução de NaHCO3- a 8.4% é mais comumente disponível. O HCO3- deve ser administrado sempre sob a forma de solução isosmótica, sendo assim a solução de NaHCO3- a 8.4%, que possui uma osmolaridade de 2000 mOsm/l, deve ser diluída com ABD, produzindo soluções 6:1 (1 parte de NaHCO3- com 5 partes de ABD) ou 7:1 (1 parte de NaHCO3- com 6 partes de ABD), cujas osmolaridades serão, respectivamente, 333 e 286 mOsm/l. O uso de soluções hipertônicas está justificado durante o atendimento da parada cardiorrespiratória onde se usa 1 mEq/Kg de NaHCO3- numa solução contendo 1 parte de NaHCO3- e 1 parte de ABD.
Para abordar as alcaloses metabólicas é importante a avaliação dos seguintes parâmetros: volemia, pressão arterial, eletrólitos na urina e no soro e, em casos selecionados, o sistema renina-angiotensina-aldosterona. O tratamento deve ser dirigido à causa básica do distúrbio, sendo restritas as indicações de uso de ácidos.
Quando a alcalose resulta da administração excessiva de álcalis exógenos, basta a suspensão dessa administração para a normalização do pH. Esse distúrbio ocorrerá com mais freqüência se houver comprometimento da função renal.
Quando a alcalose resulta de perda gástrica excessiva, o distúrbio será corrigido a partir da correção da hipovolemia e da hipocloremia com solução de NaCl a 0.9% (SF) e também pela correção da hipocalemia comumente associada através da administração de cloreto de potássio. A quantidade de cloreto a ser administrada pode ser estimada, à semelhança do sódio, a partir do seguinte cálculo:
Necessidade de Cl- = (Cl- desejado - Cl- dosado) x Água Corporal Total
­ na[CL-] =
Entretanto, na prática, procura-se hidratar o paciente com SF, repor o potássio (vide tratamento da hipocalemia) e, a seguir, repetir a dosagem dos eletrólitos e a gasometria. O uso de diuréticos do tipo inibidores da anidrase carbônica (acetazolamida - diamox) pode auxiliar na eliminação renal do bicarbonato, porém geralmente não são necessários. Da mesma forma, o uso de soluções ácidas (cloreto de amônio, ácido clorídrico ou arginina monoclorídrica) é usualmente desnecessário, uma vez que as medidas anteriores podem corrigir a alcalose na maioria dos casos.
No caso das alcaloses cloreto-resistente, o mais importante é fazer o diagnóstico do distúrbio, podendo-se tratar de uma disfunção endócrina (hiperaldosteronismo) ou defeito enzimático. O tratamento, quando possível deve ser dirigido à causa básica do distúrbio. Vale ressaltar que a maioria desses distúrbios irão se associar à retenção de sódio e à hipertensão.
O tratamento da acidose respiratória deve ser dirigido à causa básica do distúrbio. Conforme a situação irá incluir todas ou algumas das medidas abaixo:
  1. Suporte ventilatório (ventilação mecânica, quando indicada);
  2. Broncodilatadores (principalmente em caso de hiperreatividade brônquica);
  3. Estimulação do centro respiratório por drogas (comumente feita pelo uso de cafeína ou aminofilina em recém-nascidos com apnéia).
O uso de HCO3- deve ser restrito a casos em que a acidemia é tão severa ao ponto de comprometer a performance cardíaca e acentuar o desconforto respiratório. Isso é mais comumente observado em quadros de status asmaticus. Mesmo assim o uso do HCO3- deve ser considerado como último recurso terapêutico.
É o distúrbio causado pela redução da PaCO2. É um distúrbio ácido-básico raro na clínica pediátrica e, usualmente de pouca relevância. O tratamento deve ser dirigido à causa básica do distúrbio.


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